domingo, 20 de março de 2022

Pelo WhatsApp - PM vendia armas a milicianos na porta de batalhão

PM com registro de colecionador é acusado de ser armeiro da milícia na Baixada Fluminense

Em junho de 2020, Thiago Gutemberg Gomes, o Curisco, precisava consertar armas e comprar material bélico para fortalecer a milícia de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Pelo WhatsApp, o miliciano, apontado pelo Ministério Público como responsável pelo recolhimento das taxas cobradas de moradores, entrou em contato com um especialista: “Fala comigo, irmão!”, escreveu Curisco, no dia 21 daquele mês, a um contato salvo como “Alex Armeiro”. O interlocutor já sabia qual era o assunto e respondeu: “Amanhã, eu vou comprar o tirante do gatilho e mola” — peças usadas na montagem de armas. “Assim que resolver, te ligo”, completa. No dia seguinte, os dois marcam um encontro para a entrega da encomenda.

Sargento armeiro - Segundo a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio, o interlocutor do miliciano é o sargento da PM Alex Bonfim de Lima Silva, lotado no 39º BPM (Belford Roxo). A experiência de Silva no manuseio de armas, no entanto, não se explica somente por sua profissão: o policial também tem um Certificado de Registro (CR) emitido pelo Exército e integra a categoria dos Caçadores, Atiradores e Colecionadores, os CACs — que tiveram o acesso a armamento expandido desde o início do governo Bolsonaro. Há seis meses, o PM armeiro está preso acusado de consertar armas e fornecer material bélico para a milícia na Baixada Fluminense.
No diálogo com o miliciano, que continuou no dia seguinte, o sargento avisou que o “veículo” — segundo a polícia, ele se referia ao armamento — estava pronto. Curisco ainda perguntou se o PM conseguiu “trocar a empunhadura da arma” e, em seguida, disse que “daria um pulinho” no 39º BPM para buscar o material. Por volta das 14h41, o PM colecionador enviou sua localização, a dois quilômetros do quartel, para o miliciano. “Chegando”, respondeu Curisco. Cerca de uma hora após o encontro, o miliciano aprovou o resultado do trabalho: “Irmão, ficou 100%”. Em seguida, o armeiro se despede: “Qualquer coisa, só chamar”. No dia seguinte, pela manhã, Curisco fez um novo pedido ao PM: “Você não consegue carregador pra essa Beretta”. A resposta do sargento armeiro é promissora: “Vou desenrolar”.
A troca de mensagens foi extraída pela Polícia Civil do celular de Curisco, apreendido apenas dois dias depois da entrega da encomenda. Na ocasião, o miliciano foi preso em flagrante, quando fazia cobranças a moradores, armado com uma pistola. Com base nas conversas encontradas no aparelho, a Justiça decretou, em setembro do ano passado, a prisão do sargento Alex Bonfim e de mais 12 acusados de integrar a milícia que extorquia dinheiro de moradores e comerciantes e controlava o sinal clandestino de televisão, a venda de gás e até os pontos de mototáxi de quatro bairros de São João de Meriti.

CAC a serviço do crime - Em depoimento, um dos policiais que participou da operação contou que, após os agentes encontrarem parte das armas dentro da casa, o PM afirmou que não havia mais nenhum armamento no local. Pouco depois, o restante do armamento — todo o material não numerado — foi encontrado num compartimento na área externa da casa.
Bonfim, entretanto, só ficaria preso por três meses: em fevereiro de 2020, ele foi posto em liberdade por decisão da 6ª Câmara Criminal. Os desembargadores acolheram os argumentos da defesa, que sustentou que o sargento “é colecionador de armas e, devido a isso, tinha o material em sua residência, mas sem nenhuma utilidade”. A liberdade duraria pouco: no ano seguinte, ele seria novamente preso, acusado de ligação com a milícia de São João de Meriti. Atualmente, o sargento responde a três processos, acusado de integrar milícia e de posse e de comércio ilegal de armas.

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