sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Exclusivo - Fotos expõem superlotação e 'cela de castigo' em Pedrinhas, no Maranhão

Fotos exclusivas mostram que alguns presos vivem em condições duras no presídio de Pedrinhas (Foto: BBC Brasil)
Fotos exclusivas mostram que alguns presos vivem em condições duras no presídio de Pedrinhas

Vinte e quatro detentos se amontoam numa cela projetada para abrigar apenas quatro, onde dormem sobre o concreto, sem colchões nem travesseiros. Em outra cela, 22 homens passam dia e noite trancados num espaço escuro, úmido e sem ventilação – alguns usam as próprias camisas para enxugar vazamentos que inundam o piso.
Retratadas em fotos obtidas com exclusividade pela BBC Brasil, as cenas expõem a precariedade em partes da penitenciária de Pedrinhas, em São Luís, em meio a uma nova onda de violência no Maranhão, dois anos e meio após a unidade se tornar notícia mundo afora por um vídeo que mostrava presos decapitados.
Desde o dia 30 de setembro, três detentos foram encontrados mortos dentro de Pedrinhas, o que eleva para ao menos 79 o total de óbitos registrados na unidade desde 2013, segundo ONGs que monitoram a prisão.
As seis fotos recebidas pela BBC Brasil, cujos autores pediram anonimato, foram tiradas em três edifícios do complexo penitenciário, o maior do Maranhão.
Hoje chefiado por Flávio Dino, do PCdoB, o governo maranhense não contestou a veracidade das imagens, mas disse que "problemas estruturais históricos" das prisões locais vêm sendo sanados e que na atual gestão o número de mortes em Pedrinhas despencou.
A BBC Brasil mostrou as fotos a duas organizações que acompanham a situação no presídio – a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e a Conectas –, que visitaram os mesmos locais no fim de setembro e disseram ter presenciado condições semelhantes.

Presidiários encolhem as pernas e precisam se revezar para dividir espaço em cela em Pedrinhas (Foto: BBC Brasil)
Presidiários encolhem as pernas e precisam se revezar para dividir espaço em cela em Pedrinhas

Denúncia - Uma das cenas mais insalubres retratadas é a de uma cela de "castigo" do presídio. Segundo advogados das duas ONGs, nessas celas – destinadas a presos que cometem infrações dentro da prisão – muitos detentos dizem passar dias sem conseguir dormir por causa do calor e da umidade.
Os rostos dos presos foram borrados nas fotos para proteger suas identidades.
Outra foto, tirada numa cela de triagem da prisão, mostra como 24 detentos dividem o espaço à noite. Alguns precisam abrir as pernas ou dobrá-las para que outros possam se esticar. No fundo da cela, um detento se deita junto ao buraco que serve de latrina.
Uma norma da penitenciária diz que as celas de triagem deveriam abrigar detentos recém-chegados a Pedrinhas por no máximo dez dias, até que sejam transferidos para celas comuns.

Em uma das celas, presos usam suas próprias camisetas para secar chão molhado (Foto: BBC Brasil)
Em uma das celas, presos usam suas próprias camisetas para secar chão molhado

Desde o dia 30 de setembro, dois presos – Fábio Roberto Costa Pereira, de 29 anos, e Jarlyson Belfort Cutrim, de 21 – foram encontrados mortos em celas de triagem do presídio, e um terceiro detento, Jhonatan da Silva Luz, de 20 anos, morreu em outro local. O governo maranhense diz que os casos estão sendo investigados.
Sem uniformes - Outras duas fotos mostram detentos de cuecas em celas comuns. Muitos presos em Pedrinhas ficaram sem uniformes depois de os terem rasgado em um protesto contra as condições no presídio, no fim de setembro.
Muitos presos relataram ter sido atacados com spray de gás pimenta e balas de borracha durante os protestos.
A precariedade na penitenciária agrava as tensões que resultaram nas últimas mortes de detentos e numa série de ataques a ônibus e escolas ocorridos nos últimos dias no Maranhão.
Em resposta aos atentados, que segundo autoridades foram coordenados de dentro da prisão, o governo maranhense transferiu 23 presos de Pedrinhas para uma penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Governo diz que está ampliando número de vagas em presídios e afirma que houve queda nas mortes (Foto: BBC Brasil)
Governo diz que está ampliando número de vagas em presídios e afirma que houve queda nas mortes

Para a Conectas e a Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos, o número de mortes só baixou porque o governo passou a separar os presos conforme suas organizações criminosas.
O governo maranhense afirma que a organização de presos por grupos criminosos "é uma recomendação da própria Lei de Execuções Penais, que em seu artigo 84 estabelece que 'o preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio'".
Em 2013, quando pelo menos 60 presos morreram em Pedrinhas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos passou a acompanhar o caso e a cobrar respostas do Estado brasileiro sobre as denúncias a respeito do presídio.
Processo internacional - No fim de 2014, o caso subiu para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que determinou que o Brasil adotasse medidas "para proteger eficazmente a vida e a integridade pessoal de todas as pessoas" em Pedrinhas.

Governo maranhense diz que, apesar das condições em Pedrinhas, houve "investimento forte" (Foto: BBC Brasil)
Governo maranhense diz que, apesar das condições em Pedrinhas, houve "investimento forte"

Embora a prisão seja responsabilidade do governo maranhense, cabe ao governo brasileiro se pronunciar sobre os casos que envolvem o Brasil na corte. As exposições são feitas em coordenação com governos estaduais e municipais, quando necessário.
No processo sobre Pedrinhas que tramita na corte hoje, não há propriamente um réu. Por isso o tribunal não pode condenar o Brasil, como aconteceu com o país por não ter levado à Justiça responsáveis por atrocidades da ditadura militar.
Para que o Brasil possa ser julgado por Pedrinhas, é preciso que a corte interamericana aceite uma denúncia formal contra o Estado brasileiro por sua atuação em relação ao caso.
As ONGs que acompanham o assunto dizem estudar a possibilidade de apresentar a denúncia à corte.

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