"Só não matei o senhor
porque Deus não deixou". A
frase, dita a um dos reféns que sobreviveu à tragédia de Milagres, no Ceará,
seria de um dos policiais militares do Grupo de Ação Táticas Especiais(Gate) da
PM que participaram da operação que terminou com 14 mortos no último dia 7.
Seis deles eram inocentes e haviam sido sequestrados por assaltantes de banco
para servir de escudos humanos.
A revelação é parte do depoimento do agricultor Francisco Laurentino
Rodrigues, 71, pai de Francisca Edneide da Cruz Santos, 49, alvejada por um
tiro durante a perseguição à quadrilha que tentou explodir o Bradesco e o Banco
do Brasil de Milagres, na região do Cariri cearense.
O depoimento de Laurentino Rodrigues seria uma das peças-chave da
investigação que responsabilizaria os PMs pela morte de reféns. Erros de
comando, comunicação e estratégia teriam levado à matança.
Na delegacia de Brejo Santo, Laurentino contou que na cena do crime, em
Milagres, ele e o filho Genário foram posicionados numa calçada ao lado do
Banco do Brasil. Por ordem dos assaltantes, ficaram sentados e, instantes
depois, ouviram "barulhos de muitos tiros".
Inicialmente, lembra o agricultor, os disparos atingiram as portas da
agência do Bradesco que estava à sua frente. Foi a deixa, de acordo com a
narrativa do pai de Edineide, para que o bando começasse a correr e um deles
caísse morto há pouco metros de onde estava a testemunha.
Para tentar escapar, Laurentino e o filho se deitaram na pista, ficando
protegido pelo meio fio da rua Padre Misael Gomes. O agricultor afirmou na
Polícia Civil que viu outros dois criminosos serem atingidos e mortos quase em
frente ao Bradesco.
O refém revelou ainda ao delegado
que "diversos tiros foram dados em sua direção e do filho". E não
morreram ali por "sorte, pois as balas batiam na parede soltando terra
contra o ele e o filho Genário".
Para Laurentino Rodrigues, os PMs atiraram "na intenção de
matá-los". Ali, no chão, perto do fim do tiroteio, o idoso contou que teve
mal estar após perder parte do fôlego diante dos momentos de agonia.
Segundo Laurentino, o Celta da família - onde estava a esposa Lurilda,
a filha Edneide e outros dois assaltantes - tentou retornar duas vezes para o
local das duas agências bancárias. Porém, percebendo o que estava acontecendo,
os criminosos recuaram. Momento em que se iniciou um novo tiroteio, "agora
contra o veículo".
De fato, o depoimento do agricultor bate com o estado em que o Celta
foi encontrado. O veículo, recolhido no pátio da delegacia de Milagres para
perícia, apresenta uma perfuração de bala no vidro dianteiro e teve
estilhaçadas a janela de trás do passageiro e o vidro traseiro.
Foi no mesmo Celta onde morreu a filha de Laurentino e pelo menos um
dos assaltantes de banco. A marca de um projétil no lado esquerdo do porta-mala
(entrada ou saída) indicaria que o carro também teria sido atacado por trás. Ou
que os bandidos atiraram de fora para dentro contra os policias. Os peritos
forenses já têm a resposta.
Laurentino revelou, em depoimento na Polícia Civil, que "em nenhum
momento foram usados de escudos humanos" pelos bandidos que estavam
encapuzados. Os dois reféns ficaram sentados na calçada até o início do
tiroteio, quando se deitaram para se esquivar dos disparos.
Após o tiroteio, três policiais militares se aproximaram de pai e
filho. Um deles o abordou, enquanto os outros dois permaneceram apontando o
armamento. Até que o interlocutor disse que os dois "eram da paz".
O agricultor, que havia ido pegar a filha no aeroporto de Juazeiro do
Norte (ela vinha de São Paulo para as comemorações do Natal), só soube da morte
de Edineide após deixar a delegacia.
Também foram sequestrados e mortos na tragédia de Milagres mais cinco
reféns. Todos da mesma família: João Batista Campos Magalhães, 49, Vinícius de
Souza Magalhães, 14, Claudineide Campos de Souza Santos, 41, Cícero Tenório dos
Santos, 60, e Gustavo Tenório dos Santos, 13. Eles eram pernambucanos e vinha
de São Paulo. A família desceu no aeroporto de Juazeiro do Norte e atravessava
o Cariri cearense, em direção à Serra Talhada (PE), para as festas de fim de
ano.
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