quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Perícia de prisão sob intervenção no PA vê tortura

Presas eram obrigadas a sentar nuas em formigueiros e rotina era de 'navio negreiro'

Prisão de jovens: vômito de sangue e hino nacional Foto: Reprodução

Prisão de jovens - Vômito de sangue e hino nacional

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, comitê ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, concluiu a perícia no sistema penitenciário do Pará, sob intervenção do Ministério da Justiça, e relatou um quadro de extrema gravidade de violação dos direitos dos detentos.
De acordo com o relatório, presas foram obrigadas a sentar nuas em formigueiros, outros foram encontrados vomitando sangue e, em Belém, a única água disponível para consumo era a do vaso sanitário — num sistema de esgotos com uma infestação de ratos.
Alguns presos eram obrigados a cantar o hino nacional e a rezar o Pai Nosso — sob pena de sofrer castigos físicos se não aceitassem.
O documento, baseado em inspeções realizadas há 40 dias, foi enviado nesta semana à Procuradoria-Geral da República e a ministérios, além de órgãos estaduais.
Quatro cadeias foram fiscalizadas: o Centro de Recuperação Regional de Altamira; a Cadeia Pública de Jovens e Adultos; o Centro de Recuperação Prisional do Pará; e o Centro de Reeducação Feminino.
Todas estavam superlotadas — a prisão para jovens abrigava três vezes mais presos do que a lotação permitida.

Prisão de Altamira: 'Tortura cotidiana' Foto: Reprodução

PRISÃO FEMININA - NUAS SOBRE FORMIGUEIROS

Presas relataram que foram obrigadas a se sentar nuas sobre formigueiros.
O documento também registrou um aborto após uma detenta ser espancada por uma agente.
Os peritos denunciaram violações a uma presa com "quadro visível de mastite, com nódulo no seio e secreção". Ela era exposta a uso abusivo de spray de pimenta e apanhava com cassetetes.
"A mulher teve seu seio espremido por uma agente. Quando a vítima afirmava a possibilidade de ser um câncer, uma agente da (força-tarefa do Ministério da Justiça) que promoveu essa violência teria afirmado 'Eu sou o câncer que vai te matar".
Uma revista feita grosseiramente nas presas no chão, com cabeça abaixada, foi comparada a uma "velha prática dos navios negreiros".
As mulheres aparentam estar "perdidas no tempo". Os trabalhos para a remição de pena e as visitas de familiares e advogados foram vetados, e documentos pessoais de algumas detentas foram encontrados no lixo, do lado de fora da cadeia.
As presas disputam espaço na prisão com entulhos de carros e sujeira. Algumas são punidas por pedir absorvente íntimo.
Contrariando a Lei de Execuções Penais e tratados internacionais, que proíbem agentes masculinos em prisões femininas, 60 dos 83 funcionários são homens.
O ambiente também é degradante para os agentes, que contaram ter depressão, pressão alta e dificuldade para dormir.

PRISÃO DE JOVENS - VÔMITO DE SANGUE E HINO NACIONAL

A prisão dos jovens, que tem superlotação de 300%, tem ilegalidades até no perfil do público detido: os peritos encontraram idosos, inclusive com bolsas de colostomia e doentes.
Os adolescentes ficavam descalços e tinham de vestir a mesma peça de roupa por mais de 45 dias seguidos.
A escova dental era compartilhada: em algumas celas, havia apenas uma para todos os presos.
Eles também eram forçados a cantar o hino nacional, segurando a bandeira do Brasil.
"Havia muitos com feridas nos órgãos genitais" e "vomitando sangue".

PRISÃO DE BELÉM - 'CALABOUÇO DE TORTURA' E 'TERROR'

Na carceragem em Belém, chamada de "calabouço de tortura", as celas ficavam alagadas, mas não havia água potável, restando por vezes o vaso sanitário para aplacar a sede.
O esgoto propiciava uma "grave infestação de ratos".
Os peritos perceberam que um preso com transtornos mentais fez a posição "padrão" imposta pelos agentes: cabeça entre as pernas e mãos entrelaçadas sobre a nuca.
Quando os fiscais informaram que ele poderia ficar à vontade, o detento permanecia na posição, e repetia: "Em procedimento, em procedimento".
“O pavor e o trauma a qual fora submetido não permitia sair daquele estado de terror".

PRISÃO DE ALTAMIRA - 'PAI NOSSO' E 'TORTURA COTIDIANA'

A exemplo do preso traumatizado em Belém, na prisão em Altamira os homens pediam permissão até para olhar para os peritos.
"Nítida postura de subserviência de corpos já disciplinados por uma ordem institucional que robotiza homens".
Quem não rezasse o Pai Nosso em todas as refeições era castigado, sob o argumento de "disciplina".
O pequeno pátio para o banho de sol, com capacidade para só dois presos, recebe 20.
A prisão tem "tortura cotidiana".
Dois meses depois de uma chacina que deixou 62 mortos, os presos têm de conviver com as celas com fuligem e cheiro de queimado — ali seus ex-colegas morreram incinerados.
“A permanência no local do massacre é insustentável".

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