Presas eram obrigadas a sentar
nuas em formigueiros e rotina era de 'navio negreiro'
Prisão de jovens - Vômito de
sangue e hino nacional
O Mecanismo Nacional
de Prevenção e Combate à Tortura, comitê ligado ao Ministério dos Direitos
Humanos, concluiu a perícia no sistema penitenciário do Pará, sob intervenção
do Ministério da Justiça, e relatou um quadro de extrema gravidade de violação
dos direitos dos detentos.
De acordo com o
relatório, presas foram obrigadas a sentar nuas em formigueiros, outros foram
encontrados vomitando sangue e, em Belém, a única água disponível para consumo
era a do vaso sanitário — num sistema de esgotos com uma infestação de ratos.
Alguns presos eram
obrigados a cantar o hino nacional e a rezar o Pai Nosso — sob pena de sofrer
castigos físicos se não aceitassem.
O documento, baseado
em inspeções realizadas há 40 dias, foi enviado nesta semana à
Procuradoria-Geral da República e a ministérios, além de órgãos estaduais.
Quatro cadeias foram
fiscalizadas: o Centro de Recuperação Regional de Altamira; a Cadeia Pública de
Jovens e Adultos; o Centro de Recuperação Prisional do Pará; e o Centro de
Reeducação Feminino.
Todas estavam
superlotadas — a prisão para jovens abrigava três vezes mais presos do que a
lotação permitida.
PRISÃO FEMININA - NUAS SOBRE
FORMIGUEIROS
Presas relataram que foram obrigadas a se sentar nuas sobre
formigueiros.
O documento também registrou um aborto após uma detenta ser espancada
por uma agente.
Os peritos denunciaram violações a uma presa com "quadro visível
de mastite, com nódulo no seio e secreção". Ela era exposta a uso abusivo
de spray de pimenta e apanhava com cassetetes.
"A mulher teve seu seio espremido por uma agente. Quando a vítima
afirmava a possibilidade de ser um câncer, uma agente da (força-tarefa do
Ministério da Justiça) que promoveu essa violência teria afirmado 'Eu sou o
câncer que vai te matar".
Uma revista feita grosseiramente nas presas no chão, com cabeça
abaixada, foi comparada a uma "velha prática dos navios negreiros".
As mulheres aparentam estar "perdidas no tempo". Os trabalhos
para a remição de pena e as visitas de familiares e advogados foram vetados, e
documentos pessoais de algumas detentas foram encontrados no lixo, do lado de
fora da cadeia.
As presas disputam espaço na prisão com entulhos de carros e sujeira.
Algumas são punidas por pedir absorvente íntimo.
Contrariando a Lei de Execuções Penais e tratados internacionais, que
proíbem agentes masculinos em prisões femininas, 60 dos 83 funcionários são
homens.
O ambiente também é degradante para os agentes, que contaram ter
depressão, pressão alta e dificuldade para dormir.
PRISÃO DE JOVENS - VÔMITO DE
SANGUE E HINO NACIONAL
A prisão dos jovens, que tem superlotação de 300%, tem ilegalidades até
no perfil do público detido: os peritos encontraram idosos, inclusive com bolsas
de colostomia e doentes.
Os adolescentes ficavam descalços e tinham de vestir a mesma peça de
roupa por mais de 45 dias seguidos.
A escova dental era compartilhada: em algumas celas, havia apenas uma
para todos os presos.
Eles também eram forçados a cantar o hino nacional, segurando a
bandeira do Brasil.
"Havia muitos com feridas nos órgãos genitais" e
"vomitando sangue".
PRISÃO DE BELÉM - 'CALABOUÇO DE
TORTURA' E 'TERROR'
Na carceragem em Belém, chamada de "calabouço de tortura", as
celas ficavam alagadas, mas não havia água potável, restando por vezes o vaso
sanitário para aplacar a sede.
O esgoto propiciava uma "grave infestação de ratos".
Os peritos perceberam que um preso com transtornos mentais fez a
posição "padrão" imposta pelos agentes: cabeça entre as pernas e mãos
entrelaçadas sobre a nuca.
Quando os fiscais informaram que ele poderia ficar à vontade, o detento
permanecia na posição, e repetia: "Em procedimento, em procedimento".
“O pavor e o trauma a qual fora submetido não permitia sair daquele
estado de terror".
PRISÃO DE ALTAMIRA - 'PAI NOSSO'
E 'TORTURA COTIDIANA'
A exemplo do preso traumatizado em Belém, na prisão em Altamira os
homens pediam permissão até para olhar para os peritos.
"Nítida postura de subserviência de corpos já disciplinados por
uma ordem institucional que robotiza homens".
Quem não rezasse o Pai Nosso em todas as refeições era castigado, sob o
argumento de "disciplina".
O pequeno pátio para o banho de sol, com capacidade para só dois
presos, recebe 20.
A prisão tem "tortura cotidiana".
Dois meses depois de uma chacina que deixou 62 mortos, os presos têm de
conviver com as celas com fuligem e cheiro de queimado — ali seus ex-colegas
morreram incinerados.
“A permanência no local do massacre é insustentável".
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