sexta-feira, 12 de junho de 2020

Seis policiais militares já viraram réus na Justiça por crimes cometidos em motim no Ceará

Parte dos policiais militares do Ceará parou as atividades, o que é inconstitucional - Crimes violentos aumentaram durante a paralisação

Homens encapuzados furam pneus de carros da polícia em Fortaleza — Foto: José Leomar/SVM
Homens encapuzados furam pneus de carros da polícia em Fortaleza

Seis policiais militares denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por envolvimento com o motim de fevereiro deste ano já viraram réus na Justiça Estadual. Cerca de 300 PMs seguem sob investigação por também cometerem crimes, durante o movimento paredista. O motim durou 13 dias, entre 18 de fevereiro e 1º de março.
O cabo da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e ex-deputado federal Flávio Alves Sabino, conhecido como Cabo Sabino, virou réu pelos crimes militares de  incitamento, aliciamento para motim ou revolta, motim, revolta, omissão de lealdade militar, publicação ou crítica indevida e inobservância de lei, regulamento ou instrução. Somadas as penas, ele pode ser condenado a até 42 anos de prisão.
A denúncia da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar foi aceita pela Auditoria Militar da Justiça Estadual, no dia 16 de março deste ano.
Cabo Sabino teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho no dia 20 de fevereiro, mas não foi localizado. No dia 5 de março, após o fim do motim, o mesmo magistrado revogou a prisão, por entender que o acusado não atrapalharia mais o processo criminal estando em liberdade, mas proibiu o policial de acessar qualquer unidade militar por seis meses.
Parte dos policiais parou as atividades em reivindicação por aumento salarial, o que é proibido pela Constituição. Como demanda para encerrar a greve, os policiais exigiram anistia, o que foi negado pelo Governo do Estado. Durante os 13 dias de motim o número de crimes violentos cresceu no estado.

Acusação e defesa

Cabo Sabino é considerado o cabeça da paralisação dos policiais militares, segundo o Ministério Público — Foto: José Leomar
Cabo Sabino é considerado o cabeça da paralisação dos policiais militares, segundo o Ministério Público

Para a Promotoria, cabo Sabino foi o principal líder do movimento paredista e, já no dia 13 de fevereiro último, através de um vídeo publicado no Facebook, instigou e conclamou os PMs a participarem da paralisação. "Quem quer parar a tropa não chama para a Assembleia, porque Polícia não para no meio da rua, Polícia para em quartel", teria dito o militar reformado.
Ainda segundo a acusação, cabo Sabino e esposas de militares se dirigiram para o 18º Batalhão de Polícia Militar, em Fortaleza, onde fecharam a entrada do prédio e iniciaram uma manifestação, com adesão dos PMs. Viaturas e motocicletas policiais começaram a ter os pneus esvaziados, para não circularem. Desde então, o movimento se espalhou por pelo menos 13 batalhões da Capital e do Interior e durou 13 dias.
Cabo Sabino refutou o termo "motim" e alegou que houve um movimento paredista, no qual ele não cometeu crimes.
"Quando eu cheguei, a paralisação já tinha acontecido, as esposas dos policiais já haviam fechado o quartel, vários policiais já estavam lá. Eu entrei mais como um mediador, até porque participei de um movimento em 2011, 2012, sou presidente da Associação dos Militares do Estado do Ceará, fui deputado federal. A própria categoria exigia a presença de lideranças", defendeu.
"O Ministério Público quer achar um culpado, essa é a realidade. Estão dentro da função institucional deles. Assim como nós temos direito à ampla defesa e ao contraditório e vamos comprovar que nós não temos culpa e que não somos isso que o Ministério Público está acusando. Enquanto os governantes não tiverem a sensibilidade de ouvir a categoria, não só os comandantes, nós vamos ter sempre essa insatisfação, passível de os policiais paralisarem as atividades a qualquer momento", completou.

Grupo preso

Encapuzados ocupam unidade da tropa de elite da PM do Ceará em Sobral — Foto: Reprodução/TV Verdes Mares
Encapuzados ocupam unidade da tropa de elite da PM do Ceará em Sobral

Cerca de 60 policiais militares, que usavam balaclava e estavam amotinados no 18º BPM no dia 18, cercaram uma viatura policial nas proximidades. Neste momento, uma composição do Comando de Policiamento de Choque (CPChoque), da Polícia Militar, passou pelo local e tentou abordar o grupo.
Três PMs foram presos em flagrante: os soldados Francier Sampaio de Freitas, Jardeson Feitosa Tabosa e José Carlos Soares de Morais Júnior (dois deles armados). Na ação, ainda foi apreendida uma mochila com a identidade funcional e a arma do cabo David Gonzaga Formiga.
O MPCE denunciou o cabo David Formiga pelos crimes militares de motim, omissão de lealdade militar, atentado contra viatura ou outro meio de transporte e condescendência criminosa. Os outros PMs foram acusados apenas por motim e atentado contra viatura ou outro meio de transporte. A Auditoria Militar aceitou a denúncia e o grupo virou réu, no dia 26 de fevereiro deste ano.

Crimes nas redes sociais - Já o soldado Márcio Wescley Oliveira dos Santos foi acusado pele MPCE pelo crime militar de apologia de fato criminoso ou do seu autor. A Auditoria Militar aceitou a denúncia e ele virou réu, no dia 27 de fevereiro deste ano.
Segundo a Promotoria, o militar incitou os colegas de farda a realizarem o movimento paredista, através de postagens nas redes sociais, inclusive vídeos em que aparece com a farda da Polícia Militar, entre os meses de janeiro e fevereiro.
Em uma das publicações, segundo a denúncia, ele critica o governador Camilo Santana e diz que "já era pra (Polícia Militar) ter parado, porém a tropa bem que podia pedir a renúncia dele e aumento".
Mesmo após o motim, o soldado teria continuado a publicar mensagens desrespeitosas contra o governador e também direcionadas ao secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, e ao comandante da PMCE, coronel Alexandre Ávila, o que resultou em outro processo criminal, pelos crimes de incitamento, publicação ou crítica indevida e desacato a superior, também previstos no CPM.
Neste último caso, o PM teve a prisão domiciliar decretada pela Justiça Estadual, com aplicação de tornozeleira eletrônica e proibição de utilizar aparelhos celulares e computadores e de acessar redes sociais e aplicativos de mensagem, no último dia 2 de junho. A Polícia Militar do Ceará confirmou que a medida judicial foi cumprida.

Policiais investigados - Cerca de outros 300 policiais militares ligados ao motim seguem sendo investigados.
Dentre esse total, 199 PMs foram autorizados a voltar ao serviço pela Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD), no dia 3 de junho último. Eles estavam afastados preventivamente por 120 dias, desde o fim de fevereiro, e retornarão antes do previsto. Apesar da decisão, o grupo continua a responder aos processos administrativo e criminal por participação no motim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário