A Justiça estadual afastou os acusados das funções e
determinou ainda que eles terão que usar tornozeleira eletrônica
A troca de mensagens
entre inspetores e delegadas da Polícia Civil do Ceará (PC-CE) indica que a
extorsão e a tortura de traficantes já eram práticas institucionalizadas por
parte deste grupo na Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD). Os 32
membros de uma suposta organização criminosa viraram réus no último dia 17.
Nesta segunda-feira (27), o Ministério Público do Estado (MPCE) divulgou
detalhes do caso.
Em áudios extraídos dos aparelhos celulares dos investigados, que foram
apreendidos com autorização judicial e constam nos autos da investigação do
órgão, escuta-se Francisco Alex de Souza
Sales, inspetor da Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (Denarc), pedindo à
delegada Anna Nery, da Delegacia da Mulher, a facilitação para um encontro com
um informante preso na Delegacia de Icaraí, na Região Metropolitana de
Fortaleza.
A mensagem de voz teria sido enviada em 7 de junho de 2017. Segundo o MPCE, o
informante foi identificado como José Abdon Gonçalves Filho. Como ele não
respondia mais às mensagens, o inspetor queria visitar o local para saber o que
estava ocorrendo. Ele frisa, no entanto, que o delegado da unidade não poderia
saber o verdadeiro motivo do encontro.
TORTURA E NEGOCIAÇÕES - Em um dos áudios, a delegada Patrícia Bezerra, em
conversa com o inspetor Antônio Chaves
Júnior — que à época também trabalhava no local — dá a entender que uma
negociação com o traficante preso em flagrante poderia ocorrer no ambiente da
DCTD.
Também é possível ouvir que o inspetor Madson
Natan Santos da Silva deteve Claudiano da Silva Souza, no bairro Granja
Portugal, em Fortaleza. Ele estava em um veículo junto com outras pessoas,
inclusive uma criança. Claudiano teria sofrido tortura, e a criança presenciado
a agressão. No áudio, é possível ouvi-la chorando.
ATENTADO CONTRA PROMOTORES
- Segundo as investigações, outro áudio
mostra sugestões sobre atentados contra patrimônio e autoridades integrantes da
Controladoria Geral de Disciplina (CGD) e do MPCE.
O indício consta em
mensagem de voz de um grupo batizado de "Irmãos Santos". Nele, Maiko
Jason Jerônimo dos Santos, irmão do inspetor
Petrônio dos Santos, comenta sobre isso: "Macho, é porque os policiais
daqui são frouxo, né? Fosse no Rio de Janeiro, já tinha pelo menos feito alguma
coisa na CGD ou dado uns 'tiro' nos carros lá fora, tocado fogo, feito alguma
coisa, né? Fosse no Rio de Janeiro não era igual aqui, não. Pegasse um carro
duma promotora e desses uns tiro, né?", mostra áudio.
A organização criminosa, conforme o MPCE, utilizava a informação de traficantes
rivais para realizar a extorsão. Na ponta, os policiais torturavam, ameaçavam
as pessoas e implantavam provas. Do outro lado, de acordo com a denúncia do
Gaeco, delegadas facilitavam as práticas de extorsão dos alvos, entre outros
crimes como tráfico de drogas, peculato, prevaricação, denunciação caluniosa,
falsidade ideológica, falso testemunho, abuso de autoridade e fraude
processual.
A Justiça ordenou o afastamento dos acusados das funções públicas e determinou
que eles deverão usar tornozeleira eletrônica.
SÃO ACUSADOS
22 inspetores da
Polícia Civil
1 escrivão da Polícia Civil
2 delegadas da Polícia
Civil
1 ex-inspetor da
Polícia Civil do Ceará (atualmente delegado da Polícia Civil do Piauí)
6 civis (informantes e traficantes)
TROCA DE "FAVORES" - Em outro áudio, o inspetor Fábio Benevides pede à mesma delegada uma “gentileza”. Ele queria que Anna Nery o incluísse como testemunha em um inquérito policial acompanhado por ela. A delegada concorda em realizar o procedimento mesmo que o inspetor não tenha presenciado o fato.
FRAUDE PROCESSUAL E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - Em 24 de fevereiro de 2017, a delegada
Patrícia Bezerra, titular da DCTD, em conversa via Whatsapp com o inspetor Antônio Chaves Júnior, fala
que dois celulares não foram apreendidos de forma oficial, a pedido de Antônio
Chaves Júnior, durante uma operação de combate ao tráfico de drogas realizada
no dia anterior.
Ela fala que os
aparelhos teriam ficado de posse de dois inspetores: José Audízio Soares Júnior e Raimundo Nonato Nogueira Júnior.
Os celulares seriam dos traficantes Paulo Henrique Júlio e Jonata Naor
Mafra, o “Alemão, presos durante a operação realizada um dia antes. Com os
aparelhos em mãos, os inspetores supostamente utilizariam as informações
contidas para realizar extorsão de mais traficantes em investigações futuras.
No segundo trecho deste áudio, o então inspetor
da Polícia Civil João Filipe de Araújo Sampaio Leite comenta com a delegada
Patrícia Bezerra sobre a operação do dia 23 de fevereiro de 2017.
Ele sugere que poderia informar, no inquérito, ter encontrado drogas em um
caminhão, ainda que o veículo não tivesse sido vistoriado até aquele momento.
ENTENDA O CASO - Em 2017, uma
investigação da Polícia Federal (PF) descortinou um esquema de extorsão e
corrupção envolvendo pessoas ligadas à Segurança Pública do Ceará. O caso
começou a ser apurado após a delação premiada de um português preso por vender
anabolizantes da Europa.
Carlos Miguel de Oliveira Pinheiro esteve em duas ocasiões na DCTD. Em
depoimentos, ele relatou ter tido bens subtraídos pelos policiais civis. A
partir daí, iniciou-se a operação batizada de “Vereda Sombria”.
O modus operandi identificado foi a extorsão, tortura e ameaça de suspeitos
de crime ou que já possuíam mandado judicial em aberto. Os participantes da
organização ameaçavam, inclusive, decretar a prisão em flagrante deles para
obter informações sobre traficantes maiores e mais quantidade de drogas.
Ao todo, 25 pessoas foram acusadas de envolvimento. No entanto, uma delas
morreu assassinada durante as investigações. Em dezembro daquele ano, a PF
realizou prisões expediu mandados de condução coercitiva contra três delegados
e 13 inspetores da DCTD e da Polícia Civil, entre outras. Destes, 13 já foram
condenados.
Os casos que não eram atribuição da Justiça Federal foram repassados para o
âmbito estadual, por meio do Gaeco.
Após dois anos investigando o caso, o MPCE denunciou, no último dia 18 de
agosto, 26 policiais civis e outras seis pessoas por participação deste
esquema, incluindo os crimes de tortura, tráfico de drogas, corrupção,
extorsão, abuso de autoridade, peculato, prevaricação e associação criminosa.
Duas delegadas, que estiveram à frente da DCTD, também são acusadas de
participarem da organização.
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