
O papa não quer ser tratado como
um rei
Um papa Francisco incomodado e que recusa o beija-mão dos fiéis após
uma missa é o novo capítulo da polêmica entre conservadores e progressistas que
agita os bastidores do Vaticano.
O vídeo dos cumprimentos após uma celebração em Loreto, cidade a 280 km
de Roma, onde o pontífice esteve na última segunda-feira (25), ganhou as redes
sociais após o evento.
Ao receber os fiéis, Francisco retira a mão quando alguns tentam beijá-la
no anel. Ele repete o gesto várias vezes, ficando aparentemente confortável só
quando dois jovens não fazem a reverência.
Francisco, como todos os outros papas, recebeu quando eleito o “anel do
pescador” (referência a são Pedro, que era pescador e é o padroeiro da
categoria), usado na mão direita e um dos símbolos da investidura do poder
papal.
O “baciamano”, como se diz no Vaticano, é um antigo ritual de
reverência do catolicismo - ao papa e em alguns casos a bispos e cardeais, que
também usam o anel como símbolo espiritual.
A recusa em receber os beijos segue a política do argentino à frente do
Vaticano.
Eleito há pouco mais de seis anos, Jorge Mario Bergoglio deixou claro
seu objetivo de mudar a imagem e a cultura da Igreja Católica, aproximando-a
dos fiéis.
Ele já pediu aos seus subordinados no Vaticano para não agirem como
“príncipes”.
“O papa não quer ser tratado como um rei. Seu gesto foi explícito nesse
sentido”, disse Paolo Rodari, vaticanista do jornal italiano La Repubblica.
Há outros gestos do primeiro papa latino-americano da história na
tentativa de desmistificar o cargo e tornar a igreja mais “humana”.
Francisco faz questão de carregar a própria pasta e sempre cumprimenta
os membros da Guarda Suíça que o escoltam.
Além do discurso carregado de mensagens de justiça social, o argentino
também promoveu mudanças internas - algumas visando reduzir custos e acabar com
regalias.
Uma delas foi o fim de um concerto anual realizado em Roma para a elite
política, econômica e cultural da Itália, uma tradição do Vaticano por décadas.
Muito menos pomposa, agora a apresentação é aberta aos pobres.
O que chamou a atenção e não escapou das críticas da ala conservadora
que faz oposição aberta ao pontífice foram os gestos bruscos ao recusar o
beija-mão em Loreto - além de seu visível desconforto.
No vídeo, ele chega a colocar a mão no cotovelo de uma das fiéis para
fazê-la sair, logo após driblar um beijo na mão.
O episódio passou a ser usado na atual cruzada contra Bergoglio, alvo
de ataques dentro e fora da igreja por sua agenda progressista.
Internamente, o argentino é acusado de desvirtuar os dogmas da tradição
católica - o desprezo com o ritual do anel seria um exemplo.
Seu antagonista é justamente o antecessor, o papa emérito Bento 16,
referência da ala conservadora da igreja.
O alemão Joseph Ratzinger, que renunciou em 2013 após quase oito anos
de pontificado, sempre foi apegado aos rituais clássicos do catolicismo como a
comunhão de joelhos e o recebimento das hóstias diretamente na boca.
O site conservador norte-americano Life Site, que se tornou uma espécie
de porta-voz da oposição ao argentino, tachou o vídeo de “perturbador” e compartilhou
críticas anônimas ao papa.
No passado, o site veiculou dossiês elaborados por cardeais contrários
ao argentino sobre temas como o abuso sexual na igreja, um dos temas da agenda
de Bergoglio.
O Vaticano não se manifestou. Federico Lombardi, diretor da Fundação
Ratzinger e ex-porta-voz de Francisco, minimizou o episódio.
Segundo ele, “o pontífice do encontro” prefere ser abraçado ao antigo
beija-mão.
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