Relatórios da Polícia Civil do Ceará indicam que eleitores
foram coagidos a não votar em determinado candidato por meio de pichações,
mensagens de áudio, intimidações e ameaças diretas
Prefeito Braguinha (à esquerda, de paletó azul) e vice Gardel
na cerimônia de diplomação
O Tribunal Regional
Eleitoral do Ceará (TRE-CE) confirmou nesta terça-feira (1º) a decisão da
primeira instância e cassou o mandato do prefeito do município de Santa
Quitéria, José Braga Barrozo (PSB),
conhecido como Braguinha, e do seu vice-prefeito, Francisco Gardel Mesquita
Ribeiro. Os dois são acusados de abuso de poder político e econômico e de
terem recebido apoio de uma facção criminosa nas eleições.
A decisão foi tomada por unanimidade pelo colegiado do TRE-CE. Além da cassação
dos diplomas do prefeito e do vice, o tribunal também condenou os dois à
inelegibilidade por um período de oito anos. O município também deve passar por novas eleições.
Braguinha era prefeito de Santa Quitéria desde 2021 e foi reeleito em 2024.
No entanto, ele acabou preso antes de tomar posse para o segundo mandato. Como
presidente da Câmara Municipal, o filho de Braguinha, o vereador Joel Barroso
(PSB), assumiu a prefeitura.
O Ministério Público Eleitoral (MPE) havia pedido a cassação dos suspeitos
no fim do ano passado após investigação sobre a interferência do crime
organizado nas eleições municipais de Santa Quitéria.
De acordo com a acusação, Braguinha e seu vice praticaram ou se
beneficiaram do abuso de poder político e econômico, comprometendo a
legitimidade do pleito. Relatórios da Polícia Civil do Ceará indicam que
eleitores foram coagidos por uma facção criminosa a não votar no candidato
opositor, Tomás Figueiredo (MDB).
Eleitores e apoiadores de Tomás teriam recebido mensagens pelo Whatsapp e
ligações com ameaças de morte ou ordens de expulsão da cidade, assim como
ameaças de incêndio em casas e de danos a veículos.
A chapa de Braguinha e Gardel foi eleita no primeiro turno das eleições de
2024 com 11.292 votos, o que corresponde a 41,1% dos votos válidos do
município. O candidato opositor, Tomás Figueiredo, teve 8.106 votos,
correspondente a 29,44% dos votos válidos.
Investigação e carro para traficante - De acordo com o MPE, Braguinha foi favorecido por membros do Comando
Vermelho durante o pleito. Os criminosos teriam ameaçado e coagido eleitores do
candidato a prefeito Tomás Figueiredo (MDB), e ordenado ações contrárias à
candidatura do opositor.
Conforme a denúncia, os faccionados ordenavam inclusive que casas com
símbolos de apoio ao candidato do MDB fossem pichadas, e o grupo criminoso
chegou a enviar ameaças anônimas ao Cartório Eleitoral do município.
A investigação aponta que o tráfico de drogas em Santa Quitéria era comandado
pelo traficante Anastácio Paiva Pereira, conhecido como Doze ou Paizão, que
estava escondido na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro.
As ações a favor de Braguinha teriam sido autorizadas por Anastácio, que
chegou a enviar um homem apontado como seu braço direito e identificado como
"Rikelme Argentino" para
coordenar a operação no município.
Ainda conforme o MPE, em julho de 2024 dois servidores da Prefeitura de Santa
Quitéria teriam ido até o Rio de Janeiro dirigindo um veículo Mitsubishi
Eclipse Cross com intuito de entregá-lo a Anastácio. A versão mais simples do
carro, conforme valores da tabela Fipe de 2024, custa cerca de R$ 195 mil.
Um dos servidores era um assessor técnico do órgão municipal de trânsito de
Santa Quitéria, e o outro era o coordenador do gabinete do prefeito. Os dois
servidores chegaram ao Rio no dia 19 de julho e voltaram ao Ceará, de avião, no
dia 21. O veículo, por sua vez, foi encontrado na casa de Anastácio durante a
operação da Polícia Civil.
A denúncia, inclusive, deu origem às investigações que levaram à operação da
Polícia do Rio de Janeiro, em junho de 2025, contra dezenas de traficantes
cearenses que estavam escondidos na favela da Rocinha. Entre eles, Anastácio Paiva, o Doze.